terça-feira, 22 de março de 2011

cambridge



Nova Inglaterra e a manhã.
Viro na Craigie.
Penso (pensei nisso antes)
que o nome Craigie é escocês
e que a palavra crag é de origem celta.
Penso (pensei nisso antes)
que neste inverno estão os antigos invernos
daqueles que deixaram escrito
que o caminho está prefixado
e que já somos do Amor ou do Fogo.
A neve e a manhã e os muros vermelhos
podem ser formas de felicidade,
mas eu venho de outras cidades
em que uma mulher, ao entardecer;
regará as plantas do pátio.
Ergo os olhos e logo os perco no úbiquo azul.
Ao longe estão as árvores de Longfellow
e o adormecido rio incessante.
Ninguém nas ruas, mas não é um domingo.
Não é uma segunda-feira,
o dia presidido pelo planeta vermelho.
Não é uma quarta-feira,
o dia daquele deus dos labirintos
que, no Norte, foi Odin.
Não é queinta feira,
o dia que já se resigna ao domingo.
Não é uma sexta-feira,
o dia regido pela divindade que nas selvas
entretece os corpos dos amantes.
Não é um sábado.
Não está no tempo sucessivo,
e sim nos reinos espectrais da memória.
Como nos sonhos,
atrás do rosto que nos olha não há ninguém.
Anverso sem reverso,
moeda de uma só face, as coisas.
Essas misérias são os bens
que o precipitado tempo nos deixa.
Somos nossa memória,
somos esse quimérico mueseu de formas inconstantes,
esse amontoado de espelhos quebrados.

Obra:  Poesia
Por: Jorge Luis Borges
Editora: Companhia das Letras.

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